Histórias de Busão

Uma história de amor e ódio àquele que me conduz diariamente ao meu destino. Busão, sei que um dia ainda vou lhe agradecer muito.

domingo, fevereiro 12, 2006

Era fevereiro de 2000. Dias difíceis aqueles, em que ela quase diariamente sentia algum tipo de angústia, sabe-se lá por quê (nem ela mesma sabia).

Naquele dia, como em todos os outros, almoçou e foi à escola. Subiu no ônibus e sentou ao lado de um casal de idade madura. Segundos depois, deparou-se com uma discussão do casal. Não demorou muito para que as agressões verbais que o homem dirigia à sua mulher se transformassem em agressões físicas. O homem se levantou e começou a batê-la violentamente.

Assustada com abriga do casal, ela se levantou e sentou num lugar bem distante dos dois. Mas não conseguia se desligar daquilo. Queria atirar uma pedra no homem. Queria pedir que a mulher reagisse, que não deixasse ele fazer aquilo, que nunca o perdoasse.

Depois de muita pancada, o motorista parou o ônibus e ameaçou expulsar os dois ou parar numa delegacia se o homem não parasse de espancar a mulher. O casal se acalmou, mas ela, sentada naquele cantinho distante dos dois e tantando esquecer o que vira, chorava discretamente. Desejava que a escola chegasse logo e ela não precisasse mais ficar no mesmo ônibus que aquele monstro.

Entrou na sala de aula, atirou os livros sobre a carteira, dirigiu-se a um banco no corredor e pôs-se a chorar. Minutos depois, algumas meninas das mesma turma se aproximaram. Perguntavam-lhe o que tinha acontecido, por que ela chorava tanto. Mas ela não conseguia responder, apenas chorava.

Tiveram uma idéia. Alguém conseguiria fazê-la falar: era a psicóloga do Serviço de Orientação Educacional, que tinha uma salinha confortável, cheia de almofadas e incensos, onde aplicava testes vocacionais e conversava com os alunos. Depois de muito tempo deitada naquelas almofadinhas, perguntaram-lhe novamente o que tinha ocorrido:

- No ônibus tinha um cacsal brigando.
- E?
- O homem bateu na mulher. Segurou-a pelos cabelos e jogou sua cabeça contra o vidro.
- Aconteceu algo com a mulher?
- Claro: a mulher foi espancada em público. Aquilo deve ter doído muito. O homem poderia tê-la matado.

Mantiveram-se em silêncio. Alguém porguntou:

- Ela era conhecida sua? Parente?
- Não.

Naquele momento, a menina se sentiu ainda pior. Ela poderia quase que ler o pensamento das outras meninas. "Uma garota louca, que se desespera ao ver uma ilustre desconhecida apanhar." Ou como costumavam dizer à mãe dela quando ela era criança: "Ela é nervosa".

Mas a tristeza dela pouco tinha a ver com o juízo de valor a seu respeito. Era a constatação do que para ela era terrível: a banalização da desvantagem feminina, a falta de solidariedade humana - o poder de as coisas só atingirem as pessoas quando acontecem com elas ou diretamente ligadas às pessoas de quem gostam.

Voltou para a sala de aula, mas tinha recebido a grande lição daquele dia antes mesmo de a aula começar. Aprendera que ser mulher era difícil em todos os aspectos. E que mais difícil ainda era ser humano. Em todos os sentidos que essa palavra contempla.

domingo, fevereiro 05, 2006

"Schneider, em 1958, apresentou uma descrição de personalidade depressiva, atualmente incluída no diagnóstico de Distimia. Para ele, tais pessoas que deploram o passado e temem o futuro (expressão usada muitos séculos antes por Sêneca em A Tranqüilidade da Alma) apresentam seis características fundamentais. Elas são:

1. pessimistas, tristes, sérios, incapazes de prazer ou relaxamento;
2. ansiosos;
3. sempre preocupados;
4. cumpridores do dever;
5. céticos;
6. autocríticos ferrenhos. "

Estou com medo de não escapar dos temíveis traja-preta.

Depois de quase um mês tomando Valeriane, senti apenas melhora na tensão física, no enfado constante que sentia. Durmo melhor e me sinto fisicamente mais disposta. Mas atenção: fisicamente. Apenas.

Continuo muito triste. E, somado à tristeza, tem aquele sentimento de culpa, porque eu não tenho absolutamente nenhum motivo para me sentir assim: tenho saúde, a oportunidade de trabalhar no que gosto, estou me formando, realizando um sonho que tinha desde a pré-adolescência. Mas não consigo controlar o impulso de reclamar de tudo, é muito mais forte do que eu. Eu queria tanto que as pessoas entendessem mais e criticassem menos. Queria tanto que elas fossem pacientes com meus surtos de mau humor. Eu também me sinto muito culpada por isso.

Às vezes fico irritada por ver as pessoas felizes. Aí eu me sinto pior porque me sinto desumana. E eu sei que não desejo mal a ninguém.

Eu quero melhorar, mas não sei por onde começo. Não agüento mais essa falta de motivação constante. Eu amo viver, sempre tive prazer nas mínimas coisas. Quero voltar a ser a mesma de antes.